Os passos lentos aproximavam-se da porta do quarto e um rangido metálico preenchia o escuro.
— Bom dia querida, vou deixar-te aqui o chá e os medicamentos — aproximou-se da minha cama e roçou-me o rosto com a sua pele áspera do frio.
O sol espreitava pelas brechas da janela a anunciar a chegada de mais um dia, para mim seria uma eternidade. A cabeça ameaçava-me estilhaçar assim que me levanta-se. Era um confronto corpo a corpo diariamente com o meu “eu”. Disseram-me várias vezes para procurar ajuda, mas não tive coragem para o fazer, julgava que o meu “eu” às vezes pregava-me umas partidinhas e que ao fim do dia já tudo teria passado, mas não era bem assim. Bastava-me colocar um pé no soalho da porta de saída e a cabeça rodava num frenesim o corpo parecia pesar uma tonelada logo de seguida, era uma forma de protesto mais cinco minutos e caía sobre o chão.
As memórias que me assolavam penetravam-me os ossos e todas as fissuras do meu corpo até ao sistema nervoso central, a pele arrepiava-se até o pânico aumentar, as mãos e as têmporas transpiravam até mais não. O meu mundo era um rodopio gigantesco!
Recordo-me do dia que consegui sair de casa, foi já há tanto tempo. Estava um sol que se erguia bem alto no céu límpido, um dia magnifico para ir às compras. A minha mãe insistira comigo para comprar umas roupas do qual ela dizia que me faziam falta apesar de eu pensar que já tinha suficientes. Já de sacos nas mãos percorríamos o corredor principal do Centro comercial , estava feliz sentia-me livre dos meus demónios, mas sabia perfeitamente que seria por pouco tempo.
As mãos resvalaram do plástico e a cabeça começou a andar à roda, ouvia vozes saídas por todos os recantos. Agarrei nos meus cabelos pretos e puxei tanto que o sangue deslizava pela minha face abaixo, dei comigo a gritar. A minha mãe agarrava-me os braços com toda a sua força e eu só dizia para me deixarem em paz, aquelas vozes ecoavam na minha mente como feras esfomeadas. Embalava-me sobre os meus joelhos para a frente e para trás e a dor das recordações trucidava-me por completo. Lembro-me do aglomerado de gente que se erguia ao meu redor apreciando a cena em curso, a seguir perdi os sentidos.
Divaguei pelo meu mundo durante horas, apagada do mundo por completo e os demónios falavam entre eles lá ao fundo. Não consegui perceber nada do que diziam, mas deviam estar a conspirar sobre mim, sobre o que fazer a seguir.
Quando abri os olhos o cenário era diferente, estava numa sala com macas e um cheiro horrível. A minha mãe dormitava à minha cabeceira, só percebi mais tarde que estava no hospital. Encontrei-me ligada a máquinas de suporte de vida e a cabeça ainda rodopiava, mas não com tanta intensidade.
A minha primeira palavra foi “Petter”, o nome de um dos demónios. Era por causa dele que me encontrava ali como uma maluquinha meio morta por dentro.
— Olá querida — dizia a minha mãe — como estás? — esta passou-me ao lado por completo e virei-me na maca de costas para ela. Ela não tinha culpa do meu estado e estava tão cansada de aturar-me. Poupar-lhe-ia mais sofrimento se não falasse do caso e do drama dos demónios, eles eram os principais culpados disto tudo.
Ouvi a porta abrir-se e duas vozes falarem ao fundo da sala. Seriam os demónios de novo?
— Ela vai ter de ficar internada — dizia uma e a outra respondia logo a seguir.
— Se tiver se ser para o bem dela assim o seja.
Ficaria ali junto deles, eles tocar-me-iam e sabe-se lá o que me fariam na ausência da minha mãe. Comecei por arrancar as agulhas dos meus braços e os eléctrodos do meu peito e levantei-me, tinha o corpo dorido como se tivesse sido atropelada por um camião. O que vi por último foi os demónios correrem para mim? Talvez não me recordo bem o que aconteceu.
O Petter conduzia o meu sono para um sonho que ao principio na minha cabeça seria real.
Um jardim erguia-se diante dos meus olhos e uma cama ao fundo seria perfeito fazer amor com ele sobre o colchão de penas rodeado por flores de todas as cores. Senti a mão dele colar-se à minha e indicar-me o caminho, fechei os olhos e segui-o confiando a cem por cento. Ele era a razão para que tudo isto estivesse a acontecer, esta era a minha loucura.
Chegamos de mãos entrelaçadas ao veludo manto que se erguia sobre a cama, ele roçou os seus lábios carnudos nos meus e um pássaro negro rasgou o céu como um relâmpago. Fugazmente os nossos corpos separaram-se e os demónios surgiram na noite, as flores do jardim descoloraram para um negro mate. O coração acelerou ao ver a mulher que se erguia de sorriso de canto a canto nos lábios a aconchegar-se junto de Petter.
Acordei de rompante do sonho com a respiração entre-cortada, a minha loucura chegara ao fim dos seus dias. Era hora de esquecer e formar uma nova vida sem amar o passado.
Cláudia Lopes
Imagem retirada da Internet:
https://byrdbarnhouse.com/sleep-crying-image-1335310-by-korshun-on-favim.html
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