Lá fora as velas roçam os mastros inquietos pelo vento, e os barcos batem no cais no dançar das ondas.
Docemente um cão passeia no beiral do cais à chuva, a sua pele arrepia-se de frio e o pêlo molhado estende-se num manto preto sobre o dorso. O vento uiva enlouquecido pelo temporal que se avizinha afugentando a multidão da avenida.
A um canto abrigado com cartões meio encharcados treme um moribundo e a chuva cai sobre o pano até se estender sobre o chão frio. A fome consome-o por dentro e o frio da rua mata-o lentamente até ao seu último suspiro. O temporal não irá demorar a chegar, e o medo instala-se no seu corpo fraco e cansado. Daria tudo por um lugar quente e um bom prato de comida, mas o dinheiro que ganha na arrumação de carros não chega nem para comprar um croquete para o seu amigo inseparável.
O serão da noite aproxima-se em passos lentos e o ribombar da trovoada chega anunciando-se com um relâmpago a rasgar o céu.
— Já são horas — pensa ao olhar para o relógio imaginário no seu pulso. As pessoas correm avenida abaixo, avenida acima de sombrinhas em punho e olham discretamente para o amontoado de cartões.
— Falta de limpeza nestas ruas, a câmara devia ter mais em atenção — pensam almas maldosas e arrogantes. Lixo é o primeiro que lhes vêm às mentes perversas e sujas, mas poucas se ajoelham para ver o erro que o mundo cometeu.
O cão volta de língua pendurada a correr e deita-se ao seu lado um sorriso esboça-se sobre os seus lábios. Levanta-se e tira do seu bolso meia dúzia de croquetes para o seu amigo de quatro patas. O cão agradecido pelo gesto lamba-lhe o rosto e abana a cauda feliz.
— Pelo menos tu comes, foi para o que deu um dia de trabalho amigo- diz a afagar o dorso molhado do cão.
O toldo de uma loja da avenida cobre-os do temporal e as pessoas passam e voltam a passar nos seus tacões e solas rasas em passos longos até casa. A casa que um moribundo tanto anseia. Deitado sobre os papelões e coberto de trapos da última moda já gastos pelo tempo na rua descansa um moribundo e o seu amigo de viagem à espera de ti que estás no conforto de um lar quente abrigado pelos lençóis limpos e de banho dado em água quente.
O esquecimento e a indiferença é a desculpa mais cruel do ser humano.
Cláudia Lopes
Imagem retirada da Internet:
https://trendly.fr/2015/12/24/chiens-argent-sans-abris/
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