Recordo-me vagamente de subir ao palco e dizer-lhe adeus. Adeus com a mão esticada para a frente e a balançar num movimento lento como se eu não quisesse partir daqui. O seu olhar sobre mim, implorando para que ficasse, mas os seus lábios desajeitados calavam-se no meio das palavras ocas que queria dizer.
Adeus, eram somente gestos para uma despedida (corpo) a corpo, olhar por olhar, gesto por gesto, e quem nos visse diria que até éramos bons actores em cima de um palco sem público e vazio.
A minha memória já não alcança certos detalhes que ressaltavam momentos das nossas vidas, recordo-me simplesmente que a sua cara não era de todo estranha e que ao ver-lhe, sentia algo a contrabalançar no peito e quase que saltava cá para fora para lhe abraçar. As lembranças estão tão desfocadas na minha mente, então limito-me a dizer-lhe sempre "sim" a tudo para que não desconfie de mim nem um só segundo. "Lembras-te Maria, quando fomos até ao parque e demos as mãos pela primeira vez?". Seria perfeito que a memória retrocedesse no tempo e colocasse-me essa peça em cena pela última vez, iria adorar montá-la e caracteriza-la sem ensaio prévio.
Bem, sinto-me como se tivesse agora dezoito anos, e me apaixona-se louca e desesperadamente por este homem à primeira vista. Hoje ele entrou pela porta do meu quarto de fato e gravata com flores para me oferecer, já me conheceria antes? Sinceramente, não quero saber… Assim que o vi apaixonei-me por aquela brasa! Mas que brasa, santo deus!
A memória borra-se novamente, e lá estou eu a falar de outra coisa com ele que não sei bem do que é que estava a falar anteriormente. Que se lixe! Logo no primeiro instante atiro-me de cabeça e enterro-lhe a dentadura nos lábios. Surpreendido por aquele beijo tão desesperado tentou envolver-me nos seus abraços ternos demonstrando-me o seu brilho no olhar e um sorriso trocista, o certo é que gostou daquela investida. "Afinal o Alzheimer ainda te deixou uma recordação minha, a minha querida Maria!"
Maria, seria então o meu nome agora tinha certeza! Finalmente uma vaga de lucidez atingiu-me depois daquele enorme sentimento fluir dentro de mim, olhei para ele e disse-lhe por fim "amo-te". Foi tão sincero que as lágrimas soltaram-se-lhe dos olhos e escorreram-lhe pelas curvas da face. Agora que me recordava, ele era o meu grande amor que mesmo que a minha memória se se torna turva em dias de tempestade, jamais o meu corpo esqueceria o seu toque, reconheceria-o em qualquer etapa do dia e sempre desejaria o dele e só o dele.
Quem és tu? — perguntei-lhe no fim esquecendo-me de novo de quem era ele. Aí a minha cabeça!
"Amo-te", repetiu ele para mim.
O pano correu por entre o palco dividindo a plateia do espectáculo em encenação, os actores passaram uma última a mão sobre as caras húmidas pela representação e deixaram-se ficar sobre o chão frio do tempo.
Cláudia Lopes
Imagem retirada da Internet:
https://wapa.pe/pareja/2016-03-08-veces-no-se-lidiar-contigo-pero-se-que-no-quiero-vivir-sin-ti-carta-para-valorar
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