Todos temos medo de falar da morte, não é verdade? Sei que sim, eu também tenho medo dela! É uma palavra tão intensa de se dizer e tão dolorosa de se sentir que só de pensar nela doí-nos o corpo por dentro.
Os afectos que deixamos são os que nos matam mais a alma. São eles que nos transbordam nos últimos suspiros. Todos os que amamos e que nos amam partem sem despedida, emploeiram-se nos abraços em primeiro plano e atiram-se no vazio.
A vida é ingrata, num instante nos dá tudo e no seguinte ceifa-nos das nossas memórias felizes, os corpos separam-se das almas e seguem num “até já” doentio para uma viagem não planeada. Somos meros fantoches em mãos alheias a um futuro incerto.
Eu tento abraçar a vida, mas ela não me abraça de volta e sinto-a perder-se em mim aos poucos e poucos , são os segundos que contam para a despedida, eu sei. Doí-me o corpo só de pensar nela, sempre apressada, dar-lhe-ei um dia ou até daqui a uns segundos para partir, quem sabe.
As memórias são as que doem mais, são como cabos em curto-circuito na mente, abalam o corpo já débil onde os olhos teimam em fechar-se e deixar que caia inerte nos braços de alguém, são os momentos mais dolorosos da vida, ver partir quem amamos para um lugar incerto.
A multidão aglomera-se para aplaudir o trapézio bambo com frases de lamento profundo já tão usadas e esfarrapadas como a roupa de um mendigo — “Era tão boa pessoa” — é uma das frases mais usuais por quem não acompanha de perto a vivência de cada um. São hábitos que se emolduram na gente, que se adapta aos fracassos de dor do dia a dia denunciando-se pela ausência de companheirismo.
Morte, é a palavra tabu dos nossos dias. Teme-mo-la mais do que qualquer gesto, é uma forma de fugirmos ao que somos. Da terra nascemos e nela morremos para dar lugar a outra vida, assim é o respirar dos nossos pulmões até doerem e do nosso coração bater até o sangue se aglomerar numa bola roliça de inveja de ser feliz, pelo menos um dia. Os dias são mais escassos quando falamos do fim, essa é a verdade. Os momentos escasseiam-se das nossas mãos nos últimos segundos e as luzes apagam-se, os olhos temem e perdem-se no vazio numa viagem longa. Cruzam-se caminhos em plena viagem e a alma despede-se do corpo como um mero farrapo que já não serve, e ao beiral de uma cama choram-se as memórias de uma vida, por vezes perdem-se almas em confronto directo como uma batalha naval em pleno oceano.
Turbulenta é a chegada até à luz que todos dizem que um dia iremos alcançar para acordar num campo sem fim, onde nos cruzamos com quem já partiu e agora nos abraçamos para sempre.
O último a desligar-se é o cérebro que padece mergulhado em recordações que passam sobre a retina dos olhos como fotografias em (movimentos) tiradas por uma Instax em cada momento feliz, em cada abraço, em cada beijo, em cada toque por aqueles que nunca iremos esquecer nem mesmo a morte nos fará um delete no panorama das nossas memórias felizes. “Nascemos para dar amor ao próximo” — há quem diga que amar o próximo nos ajuda a superar a perda de uma vida e a viver mais por cada dia. Garanto-vos que tudo isso é fachada! Amamos por amar quem nos ama e vivemos para aproveitar o que a vida nos deu, pelo menos eu tento ao máximo!
O corpo luta até nos momentos mais difíceis para se manter útil ao mundo, faísca até se consumir em lágrimas e quando já não resta nada desliga-se automaticamente. Somos uma máquina meio avariada, precisamos sempre de um circuito integrado suplente para nos mantermos firmes.
Os olhos começam agora a desfocarem as imagens e a fecharem-se quase como automaticamente, os abraços de despedida finalizam a cena diante dos olhares curiosos do público. “Até já!” — grita um louco do meio da plateia e outro chora desconsoladamente para que o corpo que tem diante dos seus olhos que não deixam a alma partir, mas o corpo caí inerte nos lençóis sobre o colchão e a sociedade silencia-se por meros instantes… é a despedida. A hora de partir chegou.
“Irei caminhar sobre um campo contigo para sempre, até já meu amor”.
Cláudia Lopes
Imagem retirada da Internet:
https://viralbandit.com/photography/fabulous-portraits-by-ukrainian-photo-artist-irina-dzhul/
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